Para além do Tejo, descendo para sul ao encontro da planície, Évora ocupa uma centralidade estratégica: aqui se cruzam desde tempos antigos os caminhos dos povos; aqui confluem as três principais bacias hidrográficas dos grandes rios do Sul (Tejo, Sado e Guadiana); aqui se encontram as terras férteis dos campos do Divor (o “lugar dos Deuses” como escreveu Manuel Fialho) e as “terras de pão” de pastores e lavradores. Se estas são as razões substantivas que explicam, por exemplo, a dimensão e qualidade do megalitismo eborense – que tão bem se expressa num dos mais antigos monumentos públicos da Humanidade, o recinto megalítico dos Almendres, e na maior Anta da Europa, a Anta Grande do Zambujeiro –, com mais propriedade tais razões se acham na origem Ebora romana, já com autonomia administrativa no tempo de Júlio César (100-44 a. C.).
South of the Tagus River, descending towards the plain, Évora occupies a strategic centrality: here, the paths of peoples have crossed since ancient times; here, the three main hydrographic basins of the great southern rivers converge (Tagus, Sado, and Guadiana); here lie the fertile Divor fields (the “place of the Gods,” as Manuel Fialho wrote) and the “bread lands” of shepherds and ploughmen. These substantive reasons explain, for example, the
size and quality of Évora’s megaliths, which are well represented in one of humanity’s oldest public monuments, the Almendres megalithic enclosure, and in the largest dolmen in Europe, the Anta Grande do Zambujeiro. Similarly, these factors trace back to the origins of Roman Ebora, which already had administrative autonomy in the time of Julius Caesar (100-44 BC).
Todavia, a fortuna urbana da Ebora romana e da Yábura islâmica foi muito condicionada pela proximidade das capitais provinciais (Mérida e Badajoz respetivamente). O apogeu da cidade só viria a acontecer mais tarde, quando o reino de Portugal se consolidou no quadro geopolítico ibérico e a dinastia de Avis lhe trouxe, já no alvorecer da Época Moderna, a centralidade político-administrativa que antes lhe faltou. Na verdade, será como “segunda cidade do reino” que Évora atingirá o seu máximo esplendor urbano, bem evidenciado, de resto, na conhecida iluminura do foral manuelino (1501).
However, the urban fortunes of Roman Ebora and Islamic Yábura were greatly influenced by their proximity to the provincial capitals (Mérida and Badajoz, respectively). The city’s heyday would only come later, when the Kingdom of Portugal was solidified within the Iberian geopolitical landscape, and the Avis dynasty brought it the political-administrative centrality it had previously lacked. Indeed, it was as the “second city of the kingdom” that Évora reached its maximum urban splendour, as evidenced by the well-known illumination of the Manueline charter (1501).
Não haja dúvidas, pois: foi a continuada presença da corte régia que fez de Évora a segunda cidade portuguesa mais importante depois de Lisboa. Tal aconteceu, interpoladamente, entre 1497 e 1545, durante os reinados de D. Manuel e D. João III. E embora também seja de enaltecer os reflexos do múnus eclesiástico e político do Cardeal-Infante D. Henrique (1540-80), bem se pode dizer que aquele meio século transformador deu à cidade a expressão patrimonial e cultural que hoje celebramos.
There should be no doubt: it was the continued presence of the royal court that made Évora the second most important Portuguese city after Lisbon. This occurred periodically from 1497 to 1545, during the reigns of King Manuel and King João III. Although the ecclesiastical and political role of Cardinal-Infante D. Henrique (1540-80) is also significant, it is safe to say that this transformative half-century endowed the city with the heritage and cultural expression we celebrate today.
Com efeito, acrescendo à imponente catedral (sagrada em 1308) e ao amuralhado medieval (nascido num ápice em torno de 1350), realizações arquitetónicas como as de São Francisco e do Paço Real contíguo (1500-14/1516-27), as do Aqueduto da Água da Prata (1533-39), com as suas caixas de água, fontes e chafarizes, as da igreja e mosteiro da Graça (1536-45), as do Colégio do Espírito Santo (Universidade, 1559) e toda uma série de investimentos artísticos sacro-profanos, contribuíram decisivamente para a consagração de Évora como Património Cultural da Humanidade (1986).
Alongside the imposing cathedral, consecrated in 1308, and the rapidly established medieval walled city around 1350, architectural achievements such as those of São Francisco and the adjoining Royal Palace (1500-14/1516-27), the Água da Prata Aqueduct (1533-39) with its water tanks, fountains, and chafarizes (public water spouts), the church and monastery of Graça (1536-45), the Colégio do Espírito Santo (University, 1559), and a series of sacred and secular artistic investments all contributed decisively to Évora’s designation as a Cultural Heritage of Humanity (1986).
O resultado desse legado cultural é o que vemos e sentimos quando percorremos a malha urbana da cidade com o vagar de a compreender e experienciar – uma monumentalidade feita de pequenos e grandes momentos históricos, tecida harmoniosamente na luz, nas formas e nos seus mais secretos significados.
The outcome of this cultural legacy is what we see and feel when we wander through the city’s urban fabric at a pace slow enough to understand and experience it—a monumentality composed of small and large historical moments, woven harmoniously with light, shapes, and their most subtle significance.
FRANCISCO BILOU